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Na semana passada, a NASA realizou uma live com um debate sobre o legado do seu icônico logo conhecido como minhoca “Worm”. Eu, como um aficionado por astronomia, viagens espaciais e ficção científica, não poderia ficar mais entusiasmado! Junto com a almôndega “Meatball”, sua simultaneamente antecessora e sucessora, representam uma das marcas mais inspiradoras já feitas.
E após esse vai-e-vem que mais remete a um movimento orbital, chegamos a um momento em que os astros se alinharam, no qual ambas as representações gráficas passam a coexistir de maneira harmoniosa, sem se eclipsar, para representar a conquista de novos mundos no Sistema Solar e além.
Ah, e vou falar: que abertura maneira!
Um pouco sobre a história

A insígnia Meatball foi criada em 1959 depois que a NACA se tornou NASA, e se consolidou pelas suas conquistas nas missões Apollo nos anos 1960. Após o término das missões Apollo e a partir de um novo programa federal, a NASA adotou em 1976 a Worm como seu novo logo, ainda que o logo antigo continuasse como favorito por muitas pessoas.
Concebida por Richard Danne, Bruce Blackburn e equipe, o novo logo representa, a partir de uma linha contínua, os conceitos de modernidade, progresso e propulsão. Acompanhado de um novo manual de uso de marca, o programa de identidade visual foi bem documentado, de maneira acessível e forneceu incontáveis exemplos do novo logo aplicado.
O logo Worm marcou o início da era do Ônibus Espacial, mas foi aposentado em 1992, abrindo caminho para a reintrodução da insígnia anterior, já consolidada no imaginário popular de toda uma geração como a de uma agência forte, com história, experiente e com aspirações ambiciosas.
Quase 30 anos depois, o logotipo Worm ganhou uma segunda vida ao ser reintroduzido, ao lado da insígnia, coexistindo de maneira harmoniosa. Enquanto esteticamente eles são muito diferentes, a NASA conseguiu encontrar uma forma de equilibrá-los de maneira complementar: em aeronaves a insígnia é colocada próxima à tripulação, na frente, como logo oficial, enquanto o logotipo é aplicado na parte traseira, onde há uma superfície maior, para dar suporte e proporcionar legibilidade. No Space Launch System (SLS) a insígnia é colocada na parte superior, próxima à tripulação, enquanto o logotipo é aplicado nos boosters de maneira destacada e legível. Em veículos, a insígnia é aplicada na parte frontal, menor, e o letreiro é aplicado em grandes proporções, muitas vezes de maneira decorativa e impactante. Assim, a insígnia sempre é relacionada às pessoas, enquanto o logotipo sempre é relacionado aos objetivos e aos meios para atingi-los.
Como identidades visuais tão distintas refletem uma missão tão grande em comum?

É preciso entender a época, a cultura e o grupo que determinado design representa. A insígnia da NASA reflete a ideia de que muitas pessoas se reuniram para realizar algo imenso. E ao olhar para a Força Aérea e outros ramos militares, é perceptível que a NASA (e sua agência predecessora) são desdobramentos dessa cultura militar. Então, a ideia de que essa insígnia, como uma identificação militar, representa lealdade aos seus colegas e à missão que se está servindo, é realmente importante.
Por outro lado, considerando o que a NASA faz especificamente, que são operações complexas com engenharia de ponta, quando nos lembramos do incrível feito que foi a Apollo 13, em que as capacidades científicas foram levadas a outro patamar com a resolução de problemas complexos com poucos recursos e pouco tempo, então o conceito que orienta a marca deriva da reflexão: como atingir o objetivo usando a menor quantidade de energia, de peso, de tempo? Esse pensamento reducionista focado em eficiência conduz também o logotipo, chegando numa solução igualmente simples e eficiente.
Então, colocar a insígnia perto da equipe, e o Worm perto da tecnologia, faz muito sentido e reforça ainda mais o valor que cada design tem para sua época e para sua conceituação.
Design é projeto

A insígnia é carregada de simbolismo, mas é uma imagem complexa para ser reproduzida com as técnicas de impressão da época. Migrar para um símbolo mais enxuto e moderno era, além de tudo, uma melhoria que só o pensamento conduzido pelo design poderia proporcionar.
Esteticamente, o logotipo poderia se referir à tecnologia de ponta, à propulsão, ao movimento, mas o ganho prático viria também na possibilidade de aplicá-lo em qualquer lugar, de uma capa de relatório à lateral de um foguete.
Conceitualmente, a mudança do logo representa também que o espaço não é apenas para os militares, mas também para cientistas. As pessoas se importam com o logo da NASA porque elas se importam com a missão da NASA. Pessoas não se interessam por formas ou linhas vazias de sentido; essas formas e linhas precisam representar algo. E nesse caso, o simbolismo aqui é tão poderosa, atraente, que se torna canal para uma paixão. Assim, ambos, Worm e Meatball, são defendidos de maneira apaixonada.
Design, eficiência pública e sustentabilidade

Dois argumentos sustentavam a proposta do Federal Design Improvement Program. Um era estético, como é de se esperar, mas o real ganho era o de eficiência, modernização e geração de valor e credibilidade. E na esfera pública, a relação custo-eficiência é um objetivo muito importante a se estabelecer.
Muitas vezes, o trabalho de design não supera determinada fase, em determinados projetos para determinados tipos de clientes (como no setor público) porque as soluções passam a exigir reestruturação de processos, questionando a burocracia e os centros de tomada de decisão.
No caso da NASA, haviam problemas burocráticos imensos que resultavam em desperdício ou retrabalho. Só o projeto de redesign de formulários levou um ano e meio para ser realizado, mas com um resultado surpreendente, diminuindo-os em até um terço do tamanho original, otimizando a linguagem e reduzindo custos com papel de maneira significativa. E ainda tinha o fator estético, a ser apresentado junto com a eficiência, como a cereja do bolo. Então, além de mais bonito, mais legível, é mais fácil, mais simples e mais barato.
Designers precisam de regras

O manual de padronização gráfica da NASA se tornou um objeto de culto. Com uma linguagem simples e objetiva, ele conseguiu mostrar como um projeto de design pode ser ao mesmo tempo complexo, inovador, inteligente e acessível. Uma verdadeira aula de design gráfico para curiosos. Além disso, o que seria mais legal do que um logo estampando foguetes, motores a jato e astronautas?
Esse reconhecimento viabilizou que ele fosse reimpresso há alguns anos a partir de uma campanha de financiamento coletivo que levantou quase um milhão de dólares. Para um documento técnico de uma agência governamental, percebemos que essa marca construiu muito valor ao longo das décadas, efetivamente conquistando a cultura pop e o imaginário de gerações.
Revelar quais são as nuances por trás de tamanho sucesso, qual foi o planejamento feito para se obter tal consistência, é um dos motivos pelos quais conteúdos de análise de músicas, filmes, livros, são um sucesso na internet. E esse manual cumpre esse papel, de revelar o segredo e destrinchar o projeto.
Um grande passo para a humanidade

“Estudantes de design naqueles dias se sentiam como se estivessem se alistando nessa grande causa, que era modernizar o mundo”.
Michael Bierut
Estudantes de design naquela época estavam empenhados em levar o mundo adiante, em uma segunda metade do século 20 mais otimista, rumo ao século 21.
Enquanto isso, pessoas comuns reagiam ao logotipo muitas vezes se perguntando “cadê a barra das letras A?” sem necessariamente perceberem que tal abordagem ingênua busca remeter ao nariz do foguete, por exemplo. É moderno, com um único traçado elegante e suave.
Essa ingenuidade é uma característica incrível: até mesmo uma criança consegue redesenhá-lo. E isso é como já provocar a imaginação da próxima geração, filhos daqueles que assistiram à corrida espacial, introduzir essa empolgação nas crianças. É algo que cria muita pregnância pela simplicidade e ousadia. É muito visível e dramático.
No meio do design, há quem diga que um logo é bem feito quando pode ser visto a quilômetros de distância. Naturalmente, a maioria dos logos não precisa ser legível a quilômetros de distância… exceto o da NASA. Esse, sim, precisa.
Cultura pop

A exploração espacial é um tema antigo e importante na cultura pop, imaginado em filmes, séries, músicas, livros, e na última década, talvez em função do avanço tecnológico e da internet, ser “nerd-espacial” passou a ser considerado cool (Salve salve, amigos da astronomia em todo o mundo!).
Existe hoje por parte da NASA um esforço muito mais aberto em colaborar com artistas para difundir a importância da agência e da exploração espacial como um todo, para semear o interesse pela exploração espacial nessa nova geração, e sobretudo manter esse tópico vivo. Por exemplo, quando o rover Perseverance pousou em Marte em 2021, o artista Yungblud apresentou o sucesso de David Bowie, “Life on Mars”, em transmissão ao vivo na NASA TV.
Em 2018, o designer de moda Heron Preston colaborou com a NASA para comemorar os 60 anos da agência através de uma coleção streetwear. A própria Balenciaga já lançou produtos inspirados na NASA, exibindo o Worm – mas não se trata de elitismo: itens com o Worm também podiam ser encontrados na Target ou no Walmart.
A NASA não licencia seus logos, mas exige aprovação para uso em produções artísticas, a fim de garantir um uso correto que coincida com o objetivo da agência, por meio da popularização e difusão da cultura e do aprendizado sobre exploração espacial.
Veja você mesmo

O manual de padrões gráficos da marca Worm está disponível para consulta aqui. É realmente um excelente material de referência para os designers de hoje em dia, revelando que um projeto consistente pode se tornar atemporal.
Aqui você encontra também a página oficial de brand guidelines da NASA, com as regras de aplicação dos dois logos, Worm e Meatball, com um olhar contemporâneo.
Você também pode assistir ao vídeo completo aqui e acompanhar o debate com importantes figuras dessa história.